O vidro começou a ser empregado pelo homem desde a pré-história há cerca de 75.000 anos. O material se constituía de um vidro natural, existente na natureza como mineral, e era usado por uma característica que muitas vezes atribuímos como defeito que é o seu poder de corte.
Este mineral denomina-se obsidiana e era esculpido para produzir ferramentas e armas com grande capacidade de corte. Lembre-se de que o homem ainda não dominava a técnica de produzir metais naquela época.
As obsidianas, pela sua capacidade de gerar lâminas finíssimas, são empregadas em ferramentas de corte de precisão, como nos bisturis que até recentemente eram empregados em cirurgias do globo ocular.
A Figura 1 mostra peças encontradas, em sítios arqueológicos, produzidas com obsidianas e utilizadas como armas e ferramentas.
Figura 1: Artigos em obsidianas, vidro natural, produzidos na pré-história.
Apesar de empregar o vidro há muito tempo o homem só começou a produzir este material em torno de 4.500 anos atrás. Há várias teorias de como esse processo tenha se iniciado. Uma delas é que seria a partir da escória da produção de metais e outra dos “vidrados” que já se empregavam em cerâmicas para que as mesmas tivessem uma superfície lisa e livre de porosidade.
Porém, a história preferida dos vidreiros é a de que naquela época mercadores atravessavam o deserto da região do oriente médio, onde hoje se encontra o Iraque, com uma carga de natrão. O natrão é um mineral constituído de carbonato de sódio, e mais adiante vamos ver que é uma das matérias-primas empregadas na elaboração de vidro. O natrão também era usado por suas características antissépticas nas mumificações.
Estes mercadores pararam para montar o acampamento durante a noite e se viram com dificuldade de encontrar onde apoiar a panela para cozinhar o jantar. A solução encontrada foi empregar pedaços do natrão que transportavam, sobre a areia do deserto. A união do calor do fogo com as principais matérias primas produtoras de vidro fez surgir um material viscoso que escorreu e, ao esfriar, assumiu um aspecto brilhante que encantou aos mercadores. Descobriu-se como fazer vidro. A Figura 2 representa a descoberta.
Figura 2: Descoberta acidental do vidro
Nos primeiros mil anos após a descoberta de como elaborar vidro, este só foi empregado com finalidade estética na confecção de joias e artigos de decoração. Somente por volta de 1500 AC, no Egito, foi que se iniciou o emprego do vidro em artigos utilitários, na forma de embalagens.
Para fazer essas primeiras embalagens, o vidreiro colocava na ponta de uma haste metálica uma porção de argila que viria a se constituir a parte interna da embalagem. Em seguida mergulhava este núcleo em uma panela cerâmica onde estava o vidro fundido. O vidro se esfriava em torno do núcleo de argila que depois era retirada permanecendo a embalagem de vidro. Este processo esta ilustrado na Figura 3. Notar que a produção do vidro só foi possível por já existir o conhecimento da cerâmica.
Figura 3: Fabricação da primeira embalagem de vidro – Egito 1500 AC
Na figura 4 se encontram algumas peças expostas em museus que foram produzidas naquela época. Notar que o vidro era muito colorido e não transparente.
Figura 4: Primeiras peças de vidro fabricadas pelo homem – Egito 1500 AC
Esta era uma maneira muito trabalhosa de produzir embalagens e, por essa razão, eram pouco usadas e apenas pessoas muito ricas podiam se dar ao luxo de utilizá-las. Eram empregadas para armazenar cosméticos e medicamentos.
O grande advento que popularizou o vidro foi a invenção do sopro, que ocorreu há cerca de 2000 anos, na Síria. Trata-se de colher uma gota de vidro na ponta de um tubo metálico, denominado “cana”, e soprar uma bolha no seu interior para constituir a parte oca de um artigo de vidro. Assim começaram a se produzir embalagens com menor custo e maior produtividade, tornando-o acessível inclusive para cidadãos comuns.
Esta foi uma invenção tão marcante que ainda hoje, vinte séculos depois, os produtores de vidro manual ainda a empregam, e mesmo nas modernas máquinas de conformação, as embalagens são conformadas por sopro, ainda que por meio de máquinas sofisticadas. A Figura 5 mostra a colheita do vidro e o sopro realizado de forma artesanal.
Figura 5: Colheita do vidro e o sopro
Cerca de 200 anos depois se começou a fazer vidros planos para vidraças empregando o sopro. Os vidreiros produziam uma grande garrafa usando o sopro e a gravidade. Cortavam as extremidades e ficavam só com o corpo que formava um tubo. Em seguida faziam um corte longitudinal neste tubo e reaquecendo-o abriam e faziam uma chapa.
A Figura 6 mostra este processo que ainda hoje é empregado na produção de vidros artísticos aplicados em vitrais.
Figura 6: Processo de produção de vidro plano pelo sopro
O problema apresentado por estas chapas é que quando as estendiam no forno, elas estavam moles e ficavam marcadas, em sua superfície, pelas imperfeições que havia na sola do forno.
Por essa razão, no século seguinte, passou-se a produzir chapas de vidro a partir de um recipiente soprado, mas na forma de um disco que se obtinha por centrifugação, pelo giro da peça. Primeiramente se produzia um recipiente, como uma garrafa, transferido para uma ponteira fixada ao fundo desta garrafa, girada e por meio da força centrífuga e assim se obtinha um disco de vidro. Este vidro chamado de “crown”, tinha melhor qualidade óptica porém apresentava limitação de tamanho. Não se conseguia círculo maior que 1,5m de diâmetro e o centro, onde se localizava a ponteira de apoio, ficava marcado e deveria ser desprezado.
A Figura 7 mostra o princípio da produção do vidro crown; e a Figura 8, uma foto de um artesão produzindo este tipo de vidro.
Figura 7: Processo de fabricação de vidro plano tipo “crown”
Figura 8: Artesão produzindo vidro “crown” e peça marcada para recorte.
Nesta época, também se começou a soprar o vidro destinado a embalagens e artigos domésticos dentro de moldes que imprimiam padrões à superfície. Na figura 9, o desenho da esquerda representa este processo que perdurou como o principal na produção de embalagens até o final do século XIX, como se pode observar na foto da direita, de uma fábrica de embalagens deste período.
Figura 9: Sopro de embalagens de vidro dentro de um molde
Os fornos empregados para fundir o vidro eram aquecidos a lenha e o consumo chegava a dois quilos de madeira por quilo de vidro produzido.
Uma representação artística dos primeiros fornos se encontra na figura 10. Nesta figura, também há um corte de um modelo didático deste forno para melhor compreender seu funcionamento. Em seu interior, há diversos potes de cerâmica onde se colocavam as matérias primas. Na parte inferior, existia uma câmara onde a madeira era queimada e, na parte superior, havia saída para a fumaça.
O forno era aquecido para que a composição se fundisse e depois os artesões retiravam o vidro para trabalhá-lo. Estas operações se repetiam ciclicamente (carregamento das matérias-primas, fusão das mesmas, trabalho do vidro) em períodos de 24 horas.
Figura 10: primeiros fornos empregados na elaboração do vidro
Na idade média, por volta do ano de 1200, os vidreiros foram confinados na ilha de Murano ao lado de Veneza, na Itália. Uma explicação para esse confinamento seria para reduzir os incêndios que acabavam ocorrendo devido ao intenso uso de combustão. Outra explicação seria para que não se espalhassem suas técnicas que eram passada de pai para filho.
Em Murano ocorreu uma nova descoberta revolucionária: a produção de um vidro muito claro e transparente que foi denominado de “cristallo”, por ter a transparência de um cristal. Ainda hoje se chamam “cristais” os vidros mais finos de mesa. Até então os vidros produzidos tinham coloração intensa e baixa transparência.
A partir desse vidro claro e límpido puderam ser criadas lentes e a partir delas, foram inventados os binóculos (1590), microscópios (1595) e os telescópios (1611), com os quais o homem começou a desvendar os segredos do universo. Também nessa época, graças à produção dos recipientes especiais e do desenvolvimento dos termômetros de laboratório, houve um grande desenvolvimento da Química.
Em 1665, durante o reinado de Luís XIV, foi fundada, na França, a companhia que viria a ser, nos dias de hoje, a Saint Gobain, com a finalidade de produzir vidros para espelhos, evitando assim a dependência que os franceses tinham de Veneza. No início, foi utilizada a tecnologia veneziana de sopro, mas a partir de 1685, através de um método novo, que consistia na deposição da massa líquida de vidro sobre uma grande mesa metálica. Sobre essa massa, passava-se um rolo, da mesma maneira como se abre massa de pastel. A figura 11 mostra uma representação artística deste processo. O vidro assim obtido devia ser polido para a produção de espelhos, pois suas superfícies eram muito irregulares.
Figura 11: Processo de produção de vidro plano por laminação
Com a revolução industrial no século XIX, a demanda de vidro aumentou muito e processos mais produtivos foram procurados. Em 1902, um engenheiro belga chamado Fourcault lançou um método revolucionário de produção em massa de vidro plano através da estiragem do mesmo na vertical – Figura 12. Outros processos evoluíram a partir do Fourcault no século XX, processo Pittsburg de estiragem na vertical e processo Libbey Owens estirado na horizontal.
Figura 12: Esquema e foto do processo Fourcault, primeiro a existir de vidro estirado
Para se compreender o princípio da estiragem, imagine colocar uma faca dentro do mel e erguê-la em seguida. O mel que ficou preso à lâmina escoa na forma de uma fita. Imagine agora que esfriemos esta fita e ela se torna rígida e continuamos a erguê-la. Mais mel será arrastado e esfriado, formando uma lâmina de vidro contínua. O vidro era depois destacado em chapas.
Em 1880, inicia-se a produção mecânica de garrafas e, em 1915, é lançada a primeira máquina IS automática até hoje empregada.
Em 1932 se iniciou a produção de vidro plano laminado através da passagem do mesmo entre dois rolos. Mesmo princípio da produção do macarrão. Este processo até hoje é empregado para produzir vidros impressos ou “fantasia”, que apresentam figuras em relevo em uma das faces, e desta maneira são translúcidos, isto é, deixam passar a luz, mas impedem a visão através deles. A Figura 13 mostra o princípio deste processo.
Figura 13: processo de produção do vidro impresso ou “fantasia”
Porém a grande revolução na produção de vidro plano se deu com a invenção de Alister Pilkinghton, em 1959. Trata-se da produção de vidro flotado sobre um banho de estanho.
Conta a história que ele teve a idéia enquanto lavava louça. A água estava presa na cuba da pia e a gordura sobrenadava, não se misturando com a água, criando uma fina lâmina de faces perfeitamente paralelas.
Então ele pensou: será que não há um líquido sobre o qual possa se verter vidro fundido para que ele forme uma lâmina da mesma maneira que a gordura na água da pia? Este líquido não poderia nem se solidificar nem se evaporar na faixa de enrijecimento do vidro em torno de 600oC, e deveria ser bem mais denso do que o vidro, para que este não afundasse. O estanho serviu a este propósito, e continua sendo utilizado em todo o mundo para a produção massiva de vidro plano.
Em 1965 iniciou a operação da primeira fábrica float em Saint Helens na Inglaterra, e hoje há centenas de fornos deste tipo no mundo, aposentando-se definitivamente os processos de vidro estirado.
No Brasil, a primeira fábrica de vidro float iniciou sua produção em 1982 e hoje é o único processo empregado na produção de vidros planos (com exceção do impresso ou “fantasia”). A Figura 14 mostra o principio de funcionamento do processo “float”. O Vidro fluido é vertido sobre um banho de estanho fundido e vai se esfriando até ficar rígido. Este processo é contínuo e uma série de rolos extrai a fita de vidro.
Figura 14: Principio de formação da chapa de vidro plano flotado.
Durante o século XX, muitas outras aplicações surgiram para o vidro: as fibras que tanto servem para isolamento térmico e acústico, como para reforço de outros materiais; as fibras ópticas, que substituem com enormes vantagens os tradicionais cabos de cobre e alumínio utilizados em comunicações; lâmpadas; isoladores, etc.